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Vozes do espectro: um retrato da realidade das pessoas autistas e de suas famílias no Abril Azul em Vitória da Conquista

Na cidade, a inclusão ainda caminha entre avanços e barreiras. Famílias enfrentam dificuldades no acesso a atendimentos e terapias, mas reconhecem que o acolhimento começa a ganhar espaço em escolas, instituições e até nos shoppings.

Publicado em 14/04/2025 - às 16:05
Por Redação | Jornal Conquista

Por Kamile Cardoso

Ser autista, em muitos casos, é viver em constante adaptação. É aprender a lidar com barulhos que machucam, com olhares que julgam e com estruturas que não foram feitas para acolher. Para as famílias, é enfrentar filas de espera, terapias inacessíveis e escolas despreparadas. Para quem vive no espectro, é tentar existir plenamente em um mundo que nem sempre oferece espaço.

No Brasil, o número exato de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda não é conhecido. Mas estimativas do IBGE e da Organização Mundial da Saúde indicam que cerca de dois milhões de brasileiros estão dentro do espectro. Em Vitória da Conquista, entre avanços e obstáculos, pais, mães, profissionais e pessoas autistas seguem construindo caminhos de inclusão mesmo quando o sistema ainda fecha portas.

O que é o autismo?

O Transtorno do Espectro Autista é caracterizado por dificuldades na comunicação e interação social, além de comportamentos repetitivos e interesses restritos. Quem explica é o psicólogo clínico e educacional Bruno Aragão, mestrando em Psicologia da Saúde pela UFBA e com especialização em Transtorno do Espectro Autista. Ele também atua diretamente com o atendimento a pessoas com TEA.

Segundo Bruno, essas manifestações podem variar bastante de uma pessoa para outra. “Por isso, o termo ‘espectro’ é tão importante, ele representa essa diversidade de sinais e níveis de suporte”, destaca. O diagnóstico pode ser feito a partir dos 18 meses, mas geralmente ocorre entre os dois e quatro anos de idade. “Quanto mais cedo a criança recebe suporte, maior a chance de desenvolver habilidades sociais e de comunicação, melhorando significativamente sua qualidade de vida”, destacou.

A jornalista Carla Simões, mãe de Mariana, passou por esse processo. O diagnóstico da filha veio aos dois anos e três meses, após meses de investigação e buscas por informação. “Foi difícil, tudo muito novo. Tivemos que estudar muito, procurar bons profissionais. O começo é assustador, até você entender e aceitar”, conta.

Hoje, a maior dificuldade que enfrentam está na socialização. “Minha filha tem dificuldade de se inserir em grupos da mesma idade e sofre com isso”, diz. Carla também destaca que, embora haja avanços, as barreiras continuam. “É difícil conseguir atendimento, seja pelo plano, pelo setor público ou até mesmo particular. As terapias são caras e faltam profissionais preparados. Muitas escolas não têm estrutura ou capacitação”, completou.

Essa falta de estrutura também é sentida pela Associação Conquistense para Atendimento Especializado à Pessoa Autista (ACAEPA), que atende 94 pessoas com TEA. A instituição é mantida por pais e pela comunidade, sem apoio do poder público. Com 17 profissionais nas áreas de psicologia, psicopedagogia, fisioterapia, nutrição, musicalização e outras, a ACAEPA também cuida das famílias, oferecendo acolhimento e orientação.

Segundo a coordenadora Vitória Cida, que é mãe de uma criança com TEA, o maior desafio hoje é a educação. “Temos alunos fora da escola porque não há auxiliar de vida escolar. E ainda lidamos com profissionais que não querem se adaptar, dizem que ‘sempre ensinaram assim’. Mas os alunos mudaram, e o ensino também precisa mudar”, afirma.

Uma vivência adulta com o espectro

Para além da infância, o autismo também acompanha a pessoa durante toda a vida. Marcel Andrade, psicólogo de 43 anos que vive em Vitória da Conquista, considera sua trajetória positiva, com o apoio da família, mas relata desafios diários. “Sofro com questões sensoriais. No ônibus, por exemplo, escuto tudo com a mesma intensidade: vozes, motor, buzinas. Fico exausto. Em ambientes barulhentos, preciso usar abafadores para conseguir me concentrar”, compartilha.

Apesar disso, ele reconhece avanços na cidade. “Nos últimos anos, os serviços especializados aumentaram e as instituições de ensino estão tentando se adaptar. Na faculdade, tenho apoio do núcleo de psicologia e posso usar meus fones com redução de ruído durante as aulas”, destacou.

Demanda alta, estrutura limitada: quando o atendimento não alcança todos

Apesar dos avanços, a rede de apoio na cidade ainda não dá conta da demanda. A APAE de Vitória da Conquista, por exemplo, acompanha cerca de 200 pessoas com TEA e mantém uma equipe com mais de 40 profissionais entre psicólogos, neurologistas, fonoaudiólogos e fisioterapeutas. Porém, mais de 300 pessoas aguardam na fila de espera. O acesso depende de avaliação e apresentação de laudo médico.

Já a ACAEPA é mantida exclusivamente pelos associados e atua com estrutura própria. “Faltam recursos, mas seguimos, com o apoio da comunidade, fazendo o melhor que podemos por essas famílias”, diz a coordenação.

A Prefeitura de Vitória da Conquista disponibiliza serviços voltados à pessoa com TEA, como a emissão da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA), realizada no Complexo de Saúde (Cemae), garantindo prioridade no atendimento e acesso a direitos específicos. Além disso, oferece Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Salas de Recursos Multifuncionais com profissionais capacitados, atendendo mais de 1.100 alunos com TEA na rede municipal.

O CAPS Infantil e Adolescente (CAPS IA) proporciona terapias em grupo, estimulação sensorial, orientação às famílias e atendimento psicossocial. Também são realizadas Sessões Azuis nos cinemas da cidade, com sessões adaptadas com menor volume e iluminação mais baixa para pessoas autistas e suas famílias.

Em espaços privados a inclusão também está ganhando força. O Shopping Conquista Sul oferece abafadores de ruído gratuitos para autistas e pessoas com sensibilidade auditiva. O empréstimo pode ser feito nas farmácias Pague Menos e Indiana, mediante apresentação de laudo ou carteirinha. Já o Shopping Boulevard disponibiliza vagas exclusivas de estacionamento, Sessão Azul no cinema, abafadores de ruído e meia-entrada em eventos pagos.

A inclusão começa com empatia

Para Carla, mãe da pequena Mariana, a chave está no olhar. “A inclusão só vai acontecer de verdade quando houver empatia. Quando a gente se coloca no lugar do outro, entende o que não quer pra si  e, por isso, não faz com o outro.”

O psicólogo Bruno Aragão completa: “Garantir os direitos das pessoas com TEA é uma obrigação legal e social. Precisamos de políticas públicas, capacitação e, acima de tudo, escuta.”

Enquanto isso, em meio às barreiras, estão pais, mães, profissionais e pessoas autistas construindo, todos os dias, uma cidade mais consciente, inclusiva e humana. Vitória da Conquista ainda tem muito a avançar, principalmente no acesso a serviços e no preparo das instituições. Mas entre terapias, acolhimento, escuta e empatia, seguem surgindo caminhos reais de transformação.

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